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Mulher dos outros


Antônio Maria
Dia claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que nos deu seu vinho.
Nesse café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja) eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou: 
— Para com isso, que tem senhora aqui! 
Um dos rapazes dos palavrões: 
— Não chateia!
— Não chateia o quê? Para com isso agora! 
Um dos rapazes do palavrão:
— E essa mulher é tua mulher?
— Não é, mas é mulher de um amigo meu!
A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma.

Publicada originalmente no jornal Última Hora – Rio de Janeiro, de 23-08-1960, foi extraída do livro “Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria”, Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 2002, organização de Joaquim Ferreira dos Santos, pág. 115.
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Sobre o autor:

Antônio Maria de Araújo Morais foi um cronista, comentarista esportivo, poeta e compositor brasileiro nascido em Pernambuco em 1921. 
Início de carreira
Aos dezessete anos já era apresentador de programas musicais na Rádio Clube Pernambuco. Em 1940, muda-se para o Rio de Janeiro no ita Almirante Jaceguaí. No Rio, tornou-se locutor esportivo na Rádio Ipanema.
Antônio Maria mudou-se então para o Edifício Souza, na Cinelândia, apartamento 1005. Ali era vizinho dos também pernambucanos Fernando Lobo e Abelardo Barbosa, que então ainda não era o famoso Chacrinha. Moravam também ali Dorival Caymmi e o pintor Augusto Rodrigues.
Essa primeira estada no Rio de Janeiro durou apenas 10 meses, período no qual Antônio Maria não vingou na carreira profissional. Em Maio de 1944, retorna ao Recife e casa-se com Maria Gonçalves Ferreira.
Muda-se para Fortaleza, onde vai trabalhar na Rádio Clube do Ceará. Um ano depois, vai para a Bahia, como diretor das Emissoras Associadas. Conhece então Di Cavalcanti e Jorge Amado.
De volta ao Rio
Maria volta ao Rio de Janeiro em 1947, com dois filhos, e vai trabalhar como diretor artístico na Rádio Tupi. Assis Chateaubriand então o convida para ser o primeiro diretor de produção da TV Tupi, inaugurada em 20 de janeiro de 1951.
A partir desse período, Maria começa a escrever suas crônicas jornalísticas, espinha dorsal de sua obra literária. Em O Jornal, escreve crônicas diárias por mais de 15 anos, assinando as colunas "A Noite É Grande" (até 1955) e "O Jornal de Antônio Maria", nesse mesmo jornal. Manteve também em O Globo a coluna "Mesa de Pista", em 1959, e foi então para o Última Hora. Lá voltou a escrever "O Jornal de Antônio Maria" e inaugurou "Romance Policial de Copacabana", com crônicas e reportagens da capital carioca.
Em 1952, a rádio Mayrink Veiga começou a contratar grandes nomes para competir com a Tupi e demais concorrentes. Um desses nomes foi Antônio Maria, contratado na época por 50 mil cruzeiros, o salário mais alto do rádio brasileiro de então. Comprou um Cadillac, importante símbolo de status da época.
No programa "Preto no Branco", de Oswaldo Sargentelli, aparecia com frequência uma "pergunta de Antônio Maria, da produção do programa". Maria também fez, em parceria com Ary Barroso, um programa de sucesso: "Rio, Eu Gosto de Você", na TV Rio, em 1957. Maria provocava os entrevistados: perguntou a Sandra Cavalcanti, candidata a deputada, se era mal-amada. A candidata respondeu à altura: "Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música 'Ninguém me ama'". Referia-se ao samba-choro "Ninguém me Ama", de Maria e Fernando Lobo, sucesso da época.
Com Paulo Soledade, Maria fez alguns shows na boate Casablanca. Em 1953, subia toda noite ao palco do Night and Day, no Edifício Serrador, no centro do Rio, para apresentar "A Mulher é o Diabo", espetáculo em revista de Ary Barroso.
Jingles publicitários
Maria compôs diversos jingle publicitários para o rádio, entre eles o famoso jingle de Aurissedina: Se a criança acordou / Dorme, dorme filhinha / Tudo calmo ficou / Mamãe tem Aurissedina
Composições musicais
Antônio Maria compôs diversos sucessos populares em parceria com vários amigos. Nora Ney invadiu as rádios brasileiras com "Menino Grande" e "Ninguém me ama". Também são de Maria "Valsa de uma cidade" e "Canção da Volta", gravada por Ismael Neto. "Manhã de Carnaval" e "Samba do Orfeu" foram parcerias com Luís Bonfá em 1959. "O Amor e a Rosa" e "As Suas mãos" e "Se eu Morresse Amanhã" foram parceria com o compositor Pernambuco. No total, 62 composições de Maria foram gravadas. Entre seus outros parceiros também se incluíam Fernando Lobo, Moacyr Silva, Vinícius de Moraes, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme. Entre os intérpretes, Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Luiz Bandeira e Claudionor Germano.. O cantor estadunidense Nata King Cole gravou "Ninguém me ama" e "Tuas mãos".
Morte
Maria teve problemas cardíacos desde quando era criança. "Cardisplicente", como ele mesmo se descrevia, morreu na madrugada de 15 de outubro de 1964, em Copacabana, fulminado por um enfarte do miocárdio.
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Por Adele

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