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O Homem nas Mãos

                                                                               Orígenes Lessa
Sim, realmente eu matei. Era a prova de amor: a suprema prova que exigira de mim. Eu dera-lhe um carro. Não gostara. Dera-lhe um apartamento. Apenas o aceitou. Dei-lhe um iate. Não se convenceu. Já me atirara a seus pés, muitas vezes, sem êxito algum. E antes de me ajoelhar e antes do automóvel, do apartamento e do iate, já lançara mão de todos os recursos ao alcance de um apaixonado em pleno delírio. Nada a comovera. Só acreditaria, só aceitaria um grande, um infinito. um amor sobre-humano. Assim julgava eu o meu amor. Ela não se convencia. porém. E eu sofria e escrevia poemas e chorava ao luar. Era a inatingível. Ofereci-lhe a minha vida. Recusou. Jurei que me mataria em seguida, se ela cedesse. Ela sorriu. "Pede-me o impossível", dizia eu. E ela sorria. Para os grandes amores não existe o impossível. Estava. toda inteira, nessa minha proposta, a prova definitiva de inexistência do amor em meu coração. E eu continuava me multiplicando em humildade e entregas desvairadas.
Um dia, olhei para a minha vida. Estava arruinado. Nada mais tinha de meu. Se ela quisesse um automóvel novo. um iate mais recente, um apartamento maior, já não os poderia dar. Meu desespero foi, então, sem nome. Perdera a última esperança. Mas conservava ainda a capacidade de argumentar, estranho poder de raciocinar friamente. Atirei-me de novo a seus pés. Se não era o dinheiro, se não eram tributos materiais de amor o que esperava, mas a prova apenas de um grande amor, a prova ali estava, na minha miséria. Que exigia agora? Que podia esperar?
— Enriqueça de novo.
E dentro em pouco — somente eu, ninguém mais, pode falar do que é capaz um grande amor — estava rico outra vez. Novo automóvel? Dela. Viagem à volta do mundo? Teve. Joias? Colares? Todo dia. Festas? Jantares? Boates? Uma eu construí exclusivamente para ela e seus amigos. Três semanas depois, entediada, me dizia:
— Pode fechar a boate.
E eu fechei.
Abri e fechei em vão. Como em vão fora tudo. Era tédio e ceticismo. Certa noite, alucinado, eu a levava de automóvel por uma estrada maravilhosa.
— Você quer a lua?
Ela sorriu.
— Não. Mate aquele homem.
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Complete o texto nos comentários, imaginando um final para a história.
E você verá, na próxima 4a. feira, como o autor o concluiu.

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Angela Tygel, em sua primeira participação no Mirabolando, concluiu a história de uma forma bem sensata:
  Parei o carro. Pedi que saltasse. Descobri que ainda tinha limites. Voltei para casa sozinho e enfim feliz.
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Interessante o final criado pelo L. W. de Oliveira:
E eu fiz, simplesmente joguei o carro pelo barranco. Era uma vida que ela queria dessa vez? Faria melhor, lhe daria duas. A minha e a dela. Mas não fiz direito, matei, porém não morri. Hoje cortejo outra dama. Acho que sou fadado a esse mal. Também não tenho seu amor, só espero que ela não me peça uma vida por ele.
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Alguém postou um final diferente para o texto de Orígenes Lessa:
Um homem caminhava apressadamente em direção ao carro em que estávamos. Quando se aproximou, eu o reconheci: era Arthur, seu ex-namorado que tanto invejei no meu delírio de homem apaixonado. Segurei o revólver firmemente com ambas as mãos. Mirei. 
Foi quando tive um momento de lucidez .Não, ela não iria mais me dominar, porém eu não tinha forças para negar-lhe os desejos. Ela queria a vida de um homem. Então voltei o cano da arma para o meu peito. E atirei.
O tiro não foi fatal. Hoje amargo as dores que o projétil alojado no meu tronco provoca em mim. Não acabei com minha vida, mas libertei-me: morreu em mim o homem subjugado pelo amor de uma mulher. 
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O final do texto de Orígenes Lessa:
A luz clara do luar, caminhava um pobre vulto à nossa frente, cem metros além. Pisei o acelerador. Teve a duração de um relâmpago.

— Vamos ver se morreu, disse ela.

Voltamos. Sim, valeu a pena. Ela foi minha. Foi minha, afinal. E a vida se iluminou. Vivi alguns dias ou anos ou séculos — até hoje não sei — na mais total felicidade. A natureza cantava, os pássaros cantavam, o mar cantava, as ruas cantavam, as casas cantavam, cantavam os homens anônimos nas ruas. Até que ela começou a não acreditar outra vez. E eu voltei a dobrar-me a seus pés. E a suplicar, a pedir, como um doido. Desci a todos os extremos. Ate cantei boleros. Inutilmente. Foi quando, depois de novos boleros e jóias, ela me pediu outra vida. Apressei o carro — o luar era lindo — e tive-a novamente em meus braços. E daí por diante esse foi o preço. A sorte me ajudava de maneira espantosa no jogo. Do produto de uma noitada ofereci-lhe um colar de um milhão. Ela olhou o colar, abandonou-o displicente no sofá.

— Eu quero é sangue.

Levantei-me, com a chave do automóvel na mão.

— A tiro, disse ela.

Voei para casa, apanhei o revólver, ela ao meu lado.

— Eu quero ver.

Viu. Tive-a de novo.

Passou tempo, depois disso.

Confesso, agora, confesso humildemente, que o amor também passou. Não sei como. Não sei quando. Foi de repente, foi aos poucos, não sei. Acabou. Hoje eu mato, mato quando ela me pede, quase por constrangimento, por hábito talvez. Porque ela pede. Talvez para não desapontá-la. Talvez para não me desapontar. Talvez querendo iludir-me. Talvez por displicência, por preguiça mental, preguiça de reagir. Mato sem vontade, mato sem paixão, quase uma questão de rotina. Pediu, eu mato. Adquiri o hábito de obedecer. Ficou em mim, entrou no meu sangue, esse automatismo. Uma jóia? Eu compro. Um carro? Eu dou. Um homem? Eu mato. Eu não tenho é meio de recusar. Não me interessa mais, não quero mais, mas faço. Faço, obedeço. Negar não sei.

O pior é que, pelo jeito, ela anda querendo que eu me apresente à polícia...
(Texto extraído do livro Balbino, homem do mar, Livraria José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1960, pág. 184)
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Sobre o autor:
Quarto ocupante da Cadeira 10, eleito em 9 de julho de 1981, na sucessão de Osvaldo Orico e recebido pelo Acadêmico Francisco de Assis Barbosa em 20 de novembro de 1981. 

Orígenes Lessa, jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta, nasceu em Lençóis Paulista, SP, em 12 de julho de 1903, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de julho de 1986. 

Filho de Vicente Themudo Lessa, historiador, jornalista e pastor protestante pernambucano, e de Henriqueta Pinheiro Themudo Lessa. Em 1906, foi levado pela família para São Luís do Maranhão, onde cresceu até os 9 anos, acompanhando a jornada do pai como missionário. Da experiência de sua infância resultou o romance Rua do Sol. Em 1912, voltou para São Paulo. Aos 19 anos, ingressou num seminário protestante, do qual saiu dois anos depois. 

Em 1929, começou a escrever no Diário da Noite de São Paulo e publicou a primeira coleção de contos, O escritor proibido, calorosamente recebida por Medeiros e Albuquerque, João Ribeiro, Menotti del Picchia e Sud Menucci. Seguiram-se a essa coletânea Garçon, garçonnette, garçonnière, menção honrosa da Academia Brasileira de Letras, e A cidade que o diabo esqueceu. 

Recebeu inúmeros prêmios literários: Prêmio Antônio de Alcântara Machado (1939), pelo romance O feijão e o sonho; Prêmio Carmem Dolores Barbosa (1955), pelo romance Rua do Sol; Prêmio Fernando Chinaglia (1968), pelo romance A noite sem homem; Prêmio Luísa Cláudio de Sousa (1972), pelo romance O evangelho de Lázaro. 

                                                                                           Fonte: Portal da Academia Brasileira de Letras
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                                                                    Por Adele
                                                                            

8 comentários:

  1. Parei o carro. Pedi que saltasse. Descobri que ainda tinha limites. Voltei para casa sòzinho e enfim feliz.

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    1. Muito bom o final criado por você. Resolveu a história com a maior sensatez.

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  2. E eu fiz, simplesmente joguei o carro pelo barranco. Era uma vida que ela queria dessa vez? Faria melhor, lhe daria duas. A minha e a dela. Mas não fiz direito, matei, porém não morri. Hoje cortejo outra dama. Acho que sou fadado a esse mal. Também não tenho seu amor, só espero que ela não me peça uma vida por ele.

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    1. Muito interessante o final que você criou, Lucas. Essa história daria um bom filme, não acha? Continue nos brindando com sua criatividade.

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  3. Um homem caminhava apressadamente em direção ao carro em que estávamos. Quando se aproximou, eu o reconheci: era Arthur, seu ex-namorado que tanto invejei no meu delírio de homem apaixonado. Segurei o revólver firmemente com ambas as mãos. Mirei. Foi quando tive um momento de lucidez.
    Não, ela não iria mais me dominar, porém eu não tinha forças para negar-lhe os desejos. Ela queria a vida de um homem. Então voltei o cano da arma para o meu peito. E atirei.
    O tiro não foi fatal. Hoje amargo as dores que o projétil alojado no meu tronco provoca em mim. Não acabei com minha vida, mas libertei-me: morreu em mim o homem subjugado pelo amor de uma mulher.

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    1. Divirto-me com os finais diferentes imaginados pelos nossos seguidores. Obrigada por sua participação.

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  4. Fiquei pasmada com este conto de Orígenes Lessa...não o conhecia. Adele, vc. acha que existe amor assim, escravo, sem limites como o narrado pelo autor?

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