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Negrinha

                                                                  Monteiro Lobato

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa: 
            — Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
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Dê continuidade para a história de Monteiro Lobato. Crie um final no espaço destinados aos comentários.
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Vejam o final feliz criado por um de nossos seguidores:
Brincaram de boneca durante a tarde toda. Negrinha pediu para pegar o brinquedo e, no seu instinto materno, apertou-a em seus braços e a embalou. Como estava feliz!... Nos seus olhos voltara o brilho.
As mães das sobrinhas de Dona Inácia apareceram no final da tarde para buscar as filhas. E com elas foi embora também a bonequinha de louça.

À noite, estirada em sua esteira, lá no cantinho dos fundos, dormiu e sonhou que ela estava em seus braços. Inúmeras vezes a embalou e a apertou contra o peito. Noites seguidas teve os melhores sonhos de sua vida.

Mas os raios dos sol anunciavam a chegada de um novo dia, e com ele os maus-tratos de Dona Inácia, até que, numa tarde a menina da boneca de cachos dourados voltou de mãos dadas com sua mãe. Do alpendre Negrinha viu que Dona Inácia conversava com elas. Dali a pouco gritaram por ela. Era a megera:

-Negrinha! Negrinha! Venha cá, sua peste!

Será que iria brincar novamente com a menina da boneca? Saiu em disparada.

Na sala, as três esperavam por ela. 

- Você vai para a casa de Comadre Catarina. Ela precisa de alguém que faça companhia para Carolina, sua filha.

Naquele dia acabou-se o tormento de Negrinha que, a partir de então, seria a companheira de Carolina, poderia brincar todos os dias com a boneca e ainda estaria livre de ser maltratada por Dona Inácia.
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Amora.Doce acabou com a agonia da garota. Este é o final da história dado por ela:

Quando voltaram para casa, Negrinha tinha um novo olhar, um novo porte. alguma coisa mudara dentro dela: algo sem nome, sem explicação, acho que pela primeira vez na vida, sentia-se humana e não apenas um traste sem valor. Os que estavam à sua volta ( inclusive a feroz, a carrasca) perceberam uma força especial naquela menina esbelta, como se tivesse uma aura a seu redor, enfim uma parede invisível que a protegeria para sempre.Tanto assim que, após olhá-la mais uma vez, a senhora dominadora de escravos, disse com voz mansa;

"Você nem sabe o seu nome, não é? Seu nome é Maria, lembre-se bem, foi seu nome de batizado. A partir de hoje, só atenda quando a chamarem de Maria, igual à Mãe de Jesus."

"Sim, sim, ela pensou, de hoje em diante, sou Maria, como a Mãe de Jesus..."
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Estava sentindo  falta da Pandorah! Vejam como ela terminou a história:
A negrinha, diante dos anjos ,corria e sorria sem desgrudar da boneca. Era algo novo que sentia, um misto de poder e liberdade! Ela tinha em seus braços alguém que não a ofendia e nem a rejeitava , podia beijar, acarinhar e abraçar ! E no íntimo do ser, pensou: Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.  
Depois da batida de dois cucos, a megera gorda da Dona Inácia a chamou aos berros. Foi um momento tão penoso quanto o açoite devolver a boneca para as meninas e correr para a cozinha da casa grande. E como de costume , sentiu a maldade no corpo indo se isolar no canto do fogão, engolindo o choro. 
A Negrinha voltou para o seu mundo , mas um cadinho menos infeliz! Agora a solidão, o silencio e a lembrança desse dia se tornaram meios para a ela ser livre. Foi assim que ela pode suportar mais dois anos e numa das perversidade da gorda megera Dona Inácia, seu espírito se elevou!
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O triste final original, de  Monteiro Lobato: 
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim foi — e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma. 
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.
— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como era boa para um cocre!...”
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Sobre  Monteiro Lobato, o autor do texto original:

Escritor brasileiro nascido em Taubaté, SP, expressão máxima da literatura infantil brasileira. Filho do fazendeiro José Bento Marcondes Lobato e de dona Olímpia Augusta Monteiro Lobato, além de inventor e maior escritor da literatura infanto-juvenil brasileira, tornar-se-ia um dos personagens mais interessantes da história recente desse país. Seus primeiros estudos foram feitos em Taubaté, transferiu-se para São Paulo matriculando-se na Faculdade de Direito pela qual se bacharelou (1904). Depois residiu durante sete anos em Areias, SP, onde trabalhou como promotor público. Abandonou o cargo e, por algum tempo, viveu na fazenda que herdara do avô. Nessa época começou a publicar os primeiros contos em O Estado de S. Paulo. Comprou a Revista do Brasil (1917), da qual já era colunista e nela editou sua primeira coletânea de contos, Urupês (1917), criando o personagem Jeca Tatu. O livro trouxe-lhe finalmente a fama, e algum tempo depois, o grande autor passou a se dedicar a à literatura infantil (1921), onde escreveu obras de grande imaginação, em que se valeu de recursos ficcionais como veículos didáticos da matemática, da geografia, da história e das ciências, entre eles Reinações de Narizinho (1921), O saci (1921), O marquês de Rabicó (1922), A caçada da onça (1924), Viagem ao céu (1932), Novas reinações de Narizinho (1933) e O Pica-Pau Amarelo (1939), que fizeram a alegria e paixão de muitas gerações de crianças no Brasil. Essas histórias desenvolviam-se em um local imaginário, o sítio do Pica-Pau Amarelo, habitado por uma encantadora galeria de tipos como a irreverente Emília, o sentencioso visconde de Sabugosa, a bondosa e disciplinadora Dona Benta, o marquês de Rabicó, envolvidos com muitos personagens do folclore e lendas brasileiras. Na política foi caracterizado como um intelectual engajado na causa do nacionalismo. Adido comercial nos Estados Unidos (1926-1931), de volta ao Brasil, publicou América (1932) e deu início a uma campanha nacionalista pela produção de aço e petróleo. Simpatizante comunista, publicou também O escândalo do petróleo e do ferro (1936) e tentou, sem êxito, organizar uma companhia petrolífera mediante subscrições populares, o que lhe valeu uma condenação pelo Tribunal de Segurança Nacional a seis meses de prisão. Após cumprida a metade da pena, foi libertado e mudou-se para a Argentina, mas logo voltou a morar no Brasil. Crítico de costumes, no qual não falta a nota do sarcasmo e da caricatura, em sua obra há livros de ficção e outros sobre questões sociais, políticas e econômicas, mas todos apresentam caráter nacionalista e interesse pelos problemas do país e pela construção de seu futuro. Esta luta pelo petróleo acabaria por deixá-lo pobre, doente e desgostoso. Morreu na madrugada de 5 de julho (1948) na capital de São Paulo, de um acidente vascular, e sob forte comoção nacional, seu corpo é velado na Biblioteca Municipal e o sepultamento realizado no Cemitério da Consolação. Além de Urupês, destacam-se Cidades mortas (1919), Negrinha (1920), A onda verde (1921) e O macaco que se fez homem (1923).
Fonte: http://www.brasilescola.com/biografia/jose-bento-monteiro-lobato.htm
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                           Por Adele

7 comentários:

  1. Brincaram de boneca durante a tarde toda. Negrinha pediu para pegar o brinquedo e, no seu instinto materno, apertou-a em seus braços e a embalou. Como estava feliz!... Nos seus olhos voltara o brilho.
    As mães das sobrinhas de Dona Inácia apareceram no final da tarde para buscar as filhas. E com elas foi embora também a bonequinha de louça.
    À noite, estirada em sua esteira, lá no cantinho dos fundos, dormiu e sonhou que ela estava em seus braços. Inúmeras vezes a embalou e a apertou contra o peito. Noites seguidas teve os melhores sonhos de sua vida.
    Mas os raios dos sol anunciavam a chegada de um novo dia, e com ele os maus tratos de Dona Inácia, até que, numa tarde a menina da boneca de cachos dourados voltou de mãos dadas com sua mãe. Do alpendre Negrinha viu que Dona Inácia conversava com elas. Dali a pouco gritaram por ela. Era a megera:
    -Negrinha! Negrinha! Venha cá sua peste!
    Será que iria brincar novamente com a menina da boneca? Saiu em disparada.
    Na sala, as três esperavam por ela.
    - Você vai para a casa de Comadre Catarina. Ela precisa de alguém que faça companhia para Carolina, sua filha.
    Naquele dia acabou-se o tormento de Negrinha que, a partir de então, seria a companheira de Carolina, poderia brincar todos os dias com a boneca e ainda estaria livre de ser maltratada por Dona Inácia.

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  2. Quando voltaram para casa, Negrinha tinha um novo olhar, um novo porte. alguma coisa mudara dentro dela: algo sem nome, sem explicação, acho que pela primeira vez na vida, sentia-se humana e não apenas um traste sem valor. Os que estavam à sua volta ( inclusive a feroz, a carrasca) perceberam uma força especial naquela menina esbelta, como se tivesse uma aura a seu redor, enfim uma parede invisível que a protegeria para sempre.Tanto assim que, após olhá-la mais uma vez, a senhora dominadora de escravos, disse com voz mansa;
    "Você nem sabe o seu nome, não é? Seu nome é Maria, lembre-se bem, foi seu nome de batizado. A partir de hoje, só atenda quando a chamarem de Maria, igual à Mãe de Jesus."
    "Sim, sim, ela pensou, de hoje em diante, sou Maria, como a Mãe de Jesus..."

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    1. Amora, um final em que você acaba com o sofrimento dessa menina.Valeu!

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  3. Poxa,pensei que a tortura não tivesse fim...muito triste.Vou pôr meu fim nisso.

    A negrinha, diante dos anjos ,corria e sorria sem desgrudar da boneca. Era algo novo que sentia, um misto de poder e liberdade! Ela tinha em seus braços alguém que não a ofendia e nem a rejeitava , podia beijar, acarinhar e abraçar ! E no íntimo do ser, pensou: Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.
    Depois da batida de dois cucos, a megera gorda da Dona Inácia a chamou aos berros. Foi um momento tão penoso quanto o açoite devolver a boneca para as meninas e correr para a cozinha da casa grande. E como de costume , sentiu a maldade no corpo indo se isolar no canto do fogão, engolindo o choro.
    A Negrinha voltou para o seu mundo , mas um cadinho menos infeliz! Agora a solidão, o silencio e a lembrança desse dia se tornaram meios para a ela ser livre. Foi assim que ela pode suportar mais dois anos e numa das perversidade da gorda megera Dona Inácia, seu espírito se elevou!

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    1. Estava esperando seu texto, Pandorah! Mas veio a tempo. Valeu!

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  4. Enfim, acho que consegui captar o momento de "humanização" da Negrinha, assim como Monteiro Lobato o descreveu...quanto ao restante, acho que nem eu, nem Monteiro L. estivemos de acordo com o que acontece na realidade: um só momento de "sentir-se pessoa, deixar de ser coisa" poderia salvá-la, como eu fiz? Ou poderia matá-la como Monteiro L. fez? Fica a interrogação...

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