Humberto de Campos
Os salões do desembargador Marcelino Pedreira, à
rua São Clemente, achavam-se repletos, como poucas vezes acontecia, naquela
noite memorável. Políticos, magistrados, médicos, bacharéis, homens de letras e
homens de negócios enchiam os grandes compartimentos do palacete magnífico, de
mistura com o que há de mais fino, de mais chic, de mais distinto, nas rodas
femininas do Rio. Lauro Müller, Miguel Couto, Pires do Rio, Antônio Azeredo,
são silhuetas em evidência. O encanto da reunião está, entretanto, na revoada
de moças e senhoras que volteiam pelas salas, e entre as quais se destaca, pela
formosura, pela mocidade, pela inocência do olhar e dos modos, Mlle. Júlia
Petersen, noiva do Dr. Abelardo Moura e filha única do desembargador Feliciano
Mendonça.
De repente, como se um punhado de folhas e flores
obedecesse a um redemoinho invisível, faz-se uma roda em torno a uma das mesas
da sala de chá. Homens de ciência e damas inteligentes formam o grupo. Elevada,
culta, a palestra versa os assuntos mais variados, encantando as senhoras.
Na sala contígua, dança-se. E, entre os pares, o
Dr. Abelardo e a noiva. Súbito, parando, põem-se os dois a conversar:
— Que mãos tens tu, Julita! — elogia o noivo,
maravilhado, apertando os dedos miúdos, finos, quase infantis, da sua
prometida.
— Acha-a pequena? — indaga a moça.
— Microscópica!
— Como?
— Microscópica! — insiste o rapaz.
Intrigada com o vocábulo, que ouvia pela primeira
vez, a moça pede licença por um instante, penetra no salão de chá e, com a sua
ingenuidade, indaga do Dr. Álvaro Osório:
— Doutor, que significa “microscópico?”
— É um derivado de “microscópio”, Mademoiselle! —
explica o ilustre fisiologista.
— E que é “microscópio”? — torna a menina,
franzindo a testa morena, que os olhos iluminam.
O Dr. Álvaro medita um momento, e, para não perder
tempo, explica:
— É um aparelho que faz as coisas crescerem.
Compreende?
A menina sorri, agradecida. De repente, porém,
pisca os olhos, franze mais a testa, e enrubescendo:
— Ahn!...
Morde o dedinho róseo, meio brejeira, meio
encabulada:
— Sem vergonha! Agora é que eu compreendo porque é
que ele diz que eu tenho a mão microscópica ...
E sai correndo, vermelha, a abraçar-se com o noivo.
Texto extraído do livro "Gansos do Capitólio", W. M. Jackson Inc. Editores, 1951, pág. 80.
Sobre o autor:
Humberto
de Campos Veras, jornalista,
político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo e memorialista, nasceu
em Miritiba, hoje Humberto de Campos, MA, em 25 de outubro de 1886, e faleceu
no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de dezembro de 1934. Foram seus pais Joaquim Gomes
de Faria Veras, pequeno comerciante, e Ana de Campos Veras. Perdendo o pai aos
seis anos, Humberto de Campos deixou a cidade natal e foi levado para São Luís.
Dali, aos 17 anos, passou a residir no Pará, onde conseguiu um lugar de
colaborador e redator na "Folha do Norte" e, pouco depois, na
Província do Pará. Em 1910 publicou seu primeiro livro, a coletânea de versos
intitulada “Poeira”, primeira série. Em 1912 transferiu-se para o Rio. Entrou
para o jornal “O Imparcial”, na fase em que ali trabalhava um grupo de
escritores ilustres, como redatores ou colaboradores, entre os quais Goulart de
Andrade, Rui Barbosa, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Salvador de
Mendonça e Vicente de Carvalho. João Ribeiro era o crítico literário. Ali
também José Eduardo de Macedo Soares renovava a agitação da segunda campanha
civilista. Humberto de Campos ingressou no movimento. Logo
depois o jornalista militante deu lugar ao intelectual. Fez essa transição com
o pseudônimo de Conselheiro XX com que assinava contos e crônicas, hoje
reunidos em vários volumes. Assinava também com os pseudônimos Almirante
Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah,
Micromegas e Hélios.
Eleito em 30 de outubro de 1919 para a Cadeira nº. 20, sucedendo a Emílio de
Menezes, foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís Murat.
Em 1920, já acadêmico, foi eleito deputado federal pelo Maranhão. Em 1923,
substituiu Múcio Leão na coluna de crítica do jornal “Correio da Manhã”. A
revolução de 1930 dissolveu o Congresso e ele perdeu seu mandato. O presidente
Getúlio Vargas, que era grande admirador do talento de Humberto de
Campos, procurou minorar as dificuldades do autor de “Poeira”, dando-lhe
os lugares de inspetor de ensino e de diretor da Casa de Rui Barbosa. Em 1931,
viajou ao Prata em missão cultural. Em 1933 publicou o livro que se tornou o
mais célebre de sua obra, “Memórias”, crônica dos começos de sua vida. O seu
“Diário secreto”, de publicação póstuma, provocou grande escândalo pela
irreverência e malícia em relação a contemporâneos.
Autodidata, grande ledor, acumulou vasta erudição, que usava nas crônicas.
Poeta neoparnasiano, fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922.
"Poeira" é um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil. Fez
também crítica literária de natureza impressionista. É uma crítica de
afirmações pessoais, que não se fundamentam em critérios e, por isso, não podem
ser endossadas nem verificadas. Na crônica, seu recurso mais corrente era tomar
conhecidas narrativas e dar-lhes uma forma nova, fazendo comentários e
digressões sobre o assunto, citando anedotas e tecendo comparações com outras
obras. No fundo ou na essência, era uma crítica superficial, que não resiste à
análise nem ao tempo.
Obras: Poeira, poesia, 2 séries (1910 e 1917); Da seara de Booz, crônicas
(1918); Vale de Josaphat, contos (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A
serpente de bronze, contos (1921); Mealheiro de Agripa, vária (1921); Carvalhos
e roseiras, crítica (1923); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé,
contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); Grãos de mostarda,
contos (1926); Alcova e salão, contos (1927); O Brasil anedótico, anedotas
(1927); Antologia da Academia Brasileira de Letras (1928); O monstro e outros
contos (1932); Memórias 1886-1900 (1933); Crítica, 4 séries (1933, 1935, 1936);
Os países, vária (1933); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras,
contos (1934); Sombras que sofrem, crônicas (1934); Um sonho de pobre, memórias
(1935); Destinos, vária (1935); Lagartas e libélulas, vária (1935); Memórias
inacabadas (1935); Notas de um diarista, 2 séries (1935 e 1936);
Reminiscências, memórias (1935); Sepultando os meus mortos, memórias (1935);
Últimas crônicas (1936); Perfis, 2 séries, biografias (1936); Contrastes, vária
(1936); O arco de Esopo, contos (1943); A funda de Davi, contos (1943); Gansos
do Capitólio, contos (1943); Fatos e feitos, vária (1949); Diário secreto, 2
vols. (1954). (Dados obtidos no sítio da Academia Brasileira de Letras).
Autodidata, grande ledor, acumulou vasta erudição, que usava nas crônicas.
Poeta neoparnasiano, fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922.
"Poeira" é um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil. Fez
também crítica literária de natureza impressionista. É uma crítica de
afirmações pessoais, que não se fundamentam em critérios e, por isso, não podem
ser endossadas nem verificadas. Na crônica, seu recurso mais corrente era tomar
conhecidas narrativas e dar-lhes uma forma nova, fazendo comentários e
digressões sobre o assunto, citando anedotas e tecendo comparações com outras
obras. No fundo ou na essência, era uma crítica superficial, que não resiste à
análise nem ao tempo.
Obras: Poeira, poesia, 2 séries (1910 e 1917); Da seara de Booz, crônicas
(1918); Vale de Josaphat, contos (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A
serpente de bronze, contos (1921); Mealheiro de Agripa, vária (1921); Carvalhos
e roseiras, crítica (1923); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé,
contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); Grãos de mostarda,
contos (1926); Alcova e salão, contos (1927); O Brasil anedótico, anedotas
(1927); Antologia da Academia Brasileira de Letras (1928); O monstro e outros
contos (1932); Memórias 1886-1900 (1933); Crítica, 4 séries (1933, 1935, 1936);
Os países, vária (1933); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras,
contos (1934); Sombras que sofrem, crônicas (1934); Um sonho de pobre, memórias
(1935); Destinos, vária (1935); Lagartas e libélulas, vária (1935); Memórias
inacabadas (1935); Notas de um diarista, 2 séries (1935 e 1936);
Reminiscências, memórias (1935); Sepultando os meus mortos, memórias (1935);
Últimas crônicas (1936); Perfis, 2 séries, biografias (1936); Contrastes, vária
(1936); O arco de Esopo, contos (1943); A funda de Davi, contos (1943); Gansos
do Capitólio, contos (1943); Fatos e feitos, vária (1949); Diário secreto, 2
vols. (1954). (Dados obtidos no sítio da Academia Brasileira de Letras).
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