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Entrevista: Fernando Rocha Brant



ENTREVISTA COM FERNANDO ROCHA BRANT PUBLICADA NO JORNAL SONHA CALDAS, NÚMERO  28,  MARÇO DE 2009.
AQUI NÓS A REPRODUZIMOS POR SOLICITAÇÃO DE NOSSOS AMIGOS CALDENSES.

Sonha Caldas: Você nasceu em Caldas, mas sua família mudou-se quando você era criança. Algumas recordações da cidade ou algum comentário de seus pais sobre sua terra natal ficaram em sua memória?

Fernando: Aí vai um trecho de uma crônica que escrevi sobre minha volta a Caldas, cinquenta anos depois de ter me mudado, aos cinco anos de idade, para Diamantina. Penso que, com este texto eu respondo à sua pergunta:
“De que lugares eu me lembro para poder recordar, se minha memória são apenas sombras, neblinas, pedaços esparsos de uma pequena vida? Existem duas igrejas, uma de cada lado da rua ou praça principal. Eu estou correndo de um velho maluco que quer me pegar, sou esperto e chego primeiro ao portão de casa da família. Eu me fechei dentro de um armário e, quando me acham, eu vomito inteiro o queijo que devorara. Há um cheiro  de milho assado vindo do fundo do fórum onde meu pai trabalhava. Meu irmão mais velho chega apavorado contando coisas que não entendo. Chora e vomita e eu vomito atrás. Homens e mulheres cantam em serenata para meus pais na madrugada fria e só muito tempo depois é que eu vou saber que o canto é de despedida. Meu pai me castiga e, por desaforo, eu compro uma barra de chocolate e coloco em sua conta no armazém.
Eu fui aquele criança feliz que nasceu ali naquela pequena cidade mineira chamada Caldas, chamada Parreiras e novamente Caldas.

Sonha Caldas: É verdade que, coincidentemente, quando você e Milton Nascimento fizeram juntos a maravilhosa “Travessia” comemoraram tomando vinho de Caldas?

Fernando: É verdade. Meu pai, Juiz de Direito, deixou muitos amigos e boas lembranças de Caldas. Desde que foi transferido para Diamantina, ele recebia, periodicamente, uma boa remessa de vinhos  que ele consumia, com extrema moderação, na hora das refeições. Quando eu e o Milton nos encontramos, em minha casa em Belo Horizonte, para cantar nossa primeira parceria, uma dessas garrafas de meu pai foi devidamente bebida. Caldas estava lá, presente nessa momento tão importante para nós.

Sonha Caldas: Quando você voltou a Caldas? Quais suas impressões neste retorno?

Fernando: Reproduzo outra crônica, em que conto minhas impressões ao retornar à minha terra natal: “Saí da pequena cidade um pouco antes de completar cinco anos de idade.
Eu me lembrava, porém, de alguns fatos, casas e ruas que teimavam em ficar na minha memória. Seria verdade ou sonho, eu me perguntava passados cinquenta anos? A única maneira de esclarecer a questão era tomar o caminho de volta e rever a terra em que nasci e fui menino. Caldas deixaria de ser uma sombra em meus pensamentos para ser realidade. E existem as fotos minhas e de meus irmãos, uma escadinha que devia dar um trabalho dos diabos, principalmente quando todos pegavam, ao mesmo tempo, aquelas doenças próprias da infância. Eu sou aquele loirinho de cabelos cacheados, curativo no pé, que olha para o futuro sem saber o que é o futuro.
A ansiedade de entrar adulto no meu território da infância fez com que eu viajasse monossilábico os vinte quilômetros que separam minha pequena aldeia de bela Poços de Caldas. De repente, ao longe, contemplo o pequeno presépio que se anuncia ao pé da serra. Sempre um paredão de pedra a observar meus passos. Em Diamantina, o Espinhaço emoldurando os dias e noites de música, poesia, lua e cachaça. Em Belo Horizonte, a Serra do Curral guardando os sonhos dos homens e mulheres vindos de todas as terras de Minas. Minha cidade berço tem a vigiá-la a serra de Caldas. No meio do meu caminho sempre haverá uma pedra; plantarei a minha casa numa cidade de pedra.
Piso enfim o chão que me viu nascer, ando pelas ruas calçadas e limpas. De um lado a capela de Nossa Senhora do Patrocínio, padroeira do lugar. De outro, a igreja de Nossa Senhora do Rosário. No meio delas, uma singela casa onde respirei os primeiros ares, dei os primeiros passos, me pus à disposição da vida. Ela, minha primeira residência, continua do jeitinho que era, apenas tem vidros que fecham a varanda da entrada. E a grande escadaria da frente não passa de uma sucessão de meros três degraus. As casas conservam a arquitetura de antes. A rua principal, as árvores, o coreto, os jardins: nada parece ter mudado nas últimas décadas.
De súbito, uma festa toma conta da praça principal. Todos saem para a rua e um barulho de antigamente enche meus ouvidos de uma música inesquecível. Tenho a sorte bendita de voltar à minha terra no dia e hora de um grande desfile de carros de bois.
Carregados de lenha e de meninos, os carros enfeitados de alegria e rangendo sempre, são guiados por parelhas de bois que vendem saúde e beleza. Vão e voltam pela rua principal em procissão lenta e sonora. Nas calçadas, os caldenses aplaudem, comentam, festejam.
O espetáculo aguça a minha memória e eu me lembro do dia longínquo em que um carro de boi igual a esses levou lenha para minha casa. Finda a tarefa, o dono do carro de boi tocou os animais em frente. Eu, curioso como todo menino, segui junto ao lado dos bois. A paciência bovina também tem limites e eu me vi lançado por uma pata até o outro lado da rua. Não me machuquei pois a pequena distância que me separava do boi não permitiu que ele me aplicasse um coice de fato. Foi  meu primeiro voo. Os carros de bois e a cidade preservada me acenderam a felicidade da infância e eu, por momentos, tive um arrepio: a sensação de que, se estou aqui contando essa história, se estou aqui vivo, foi porque escapei por pouco. Como costuma acontecer com todos os meninos do mundo.

Sonha Caldas: Você e Milton Nascimento  fizeram canções lindíssimas. Algumas delas tocam com mais profundidade o seu coração ou todas são igualmente especiais?

Fernando: Todas são igualmente especiais, pois sempre criamos canções que exprimem nosso sentimento do mundo, nossa crenças, nossos amores, nossas amizades, nossa brasilidade, mineiridade, nosso jeito de ser e estar no mundo. Cada uma delas é um pedaço de nós.

Sonha Caldas: Você faz parceria com outros músicos também. Poderia citar-nos alguns deles e contar-nos quantas letras para músicas você já fez?

Fernando: A lista é grande. Tavinho Moura, Lô Borges, Wagner Tiso, Beto Guedes, Nélson Ângelo, Toninho Horta, Sirlan, Robertinho Brant, Tunai, Flávio Henrique, Ladston do Nascimento, Yuri Popoff e muitos outros, além de gente nova, boa de serviço, que vem surgindo por aí.
Estou coletando meus guardados para saber quantas canções eu fiz. São mais de trezentas, certamente.

Sonha Caldas: Suas letras musicais são verdadeiras poesias. Você se vê como poeta ou como músico?

Fernando: Não sou músico, mas tenho um bom ouvido musical. Tanto que  a maioria das minhas letras são feitas depois da melodia e da harmonia. Penso que a palavra inglesa para definir esse tipo de profissão é exata: escritor de canções.

Sonha Caldas: “Chico, o Caminhador”... fale-nos deste seu livro.

Fernando: Foi uma idéia de minha amiga, a ilustradora Ana Raquel. Ele visitou as margens pobres do Rio São Francisco, tirou fotos e em cima delas criou belíssimas imagens. Eu já tinha escrito, com o Tavinho Moura, a canção “ Chico, o Caminhador”. O livro, de minha parte, foi uma continuação da letra, que é seu ponto de partida. Eu fui letrando as imagens da mesma forma que faço com as músicas.
Sonha Caldas: Você gosta de cantar suas canções?

Fernando: Gosto. Antigamente, por ser parceiro de um dos maiores cantores do mundo, eu tinha um pouco de vergonha. Depois descobri que cantar é um direito humano, desde  que você não desafine nem ataque os ouvidos alheios.
Tenho  feito shows, com o Tavinho Moura, há muitos anos. Voz, violão e os autores.
Daí saiu o nosso CD chamado “ Conspiração dos Poetas. Vamos cantando por aí.

Sonha Caldas:  Quais são suas prioridades culturais  no momento ?


Fernando: Continuar a fazer o que gosto: canções. Escrever outros tipos de textos, talvez alguns musicais para o palco . Ler.  Ouvir música. Enfim, como poeta é aquele que faz, seguir fazendo. 


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