Dalton Trevisan
Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.
Sobre o autor:
Dalton Trevisan
É reconhecido como um
importante contista da literatura
brasileira por grande parte dos críticos do país. Entretanto, é avesso a
entrevistas e exposições em órgãos de comunicação social, criando uma atmosfera
de mistério em torno de seu nome. Por esse motivo recebeu a alcunha de
"Vampiro de Curitiba", nome de um de seus livros. Assina apenas
"D. Trevis" e não recebe a visita de estranhos .
Trevisan trabalhou durante sua
juventude na fábrica de vidros de sua família (hoje falida) e chegou a exercer
a advocacia durante 7 anos, depois de se formar pela Faculdade de Direito do
Paraná (atual UFPR). Quando era estudante de Direito, Trevisan costumava lançar
seus contos em modestos folhetos. Liderou o grupo literário que publicou, entre
1946 e 1948, a revista Joaquim.
O nome, segundo ele, era "uma homenagem a todos os Joaquins do
Brasil". A publicação tornou-se porta-voz de uma geração de escritores,
críticos e poetas. Reunia ensaios assinados por Antônio Cândido, Mário de Andrade e Otto
Maria Carpeaux e poemas até então inéditos, como "O Caso do
Vestido", de Carlos Drummond de
Andrade. A revista também trazia traduções de Joyce, Proust, Kafka,
Sartre e Gide e era ilustrada por artistas como Poty, Di Cavalcanti e Heitor
dos Prazeres. A publicação, que circulou até dezembro de 1948, continha o
material de seus primeiros livros de ficção, incluindo Sonata ao Luar (1945) e Sete Anos de Pastor (1948) - duas obras renegadas pelo
autor. Em 1954 publicou o Guia
Histórico de Curitiba, Crônicas
da Província de Curitiba, O
Dia de Marcos e Os Domingos ou Ao
Armazém do Lucas, edições populares à maneira dos folhetos de feira.Inspirado nos habitantes da
cidade, criou personagens e situações de significado universal, em que as
tramas psicológicas e os costumes são recriados por meio de uma linguagem
concisa e popular, que valoriza os incidentes do cotidiano sofrido e
angustiante. Publicou também Novelas
Nada Exemplares (1959) e
ganhou o Prêmio Jabuti da
Câmara Brasileira do Livro. Como era de se esperar, enviou um representante
para recebê-lo. Morte na Praça (1964), Cemitério de Elefantes (1964) e O Vampiro de Curitiba (1965). Isolado dos meios intelectuais
e concorrendo sob pseudônimo, Trevisan conquistou o primeiro lugar do I Concurso Nacional de Contos do
Estado do Paraná, em 1968. Escreveu depois A Guerra Conjugal (1969), posteriormente transformada em
um premiado filme, dirigido por Joaquim
Pedro de Andrade, Crimes
da Paixão (1978) e Lincha Tarado (1980). Em 1994 publicou Ah, é?, obra-prima do estilo
minimalista. Seu único romance publicado é A
Polaquinha.
Por Adele
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