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Ousadia

Fernando Sabino

A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:
- A sua passagem já está paga, disse o motorista.
- Paga por quem?
- Esse cavalheiro aí:
E apontou um mulato bem vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um sorriso junto à calçada.
- É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber. 
- Mas já está paga...
 Faça o favor de receber! – insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto 

para que o homem ouvisse: - Já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não está vendo? Por favor, faço questão que o senhor receba minha passagem.
O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas vezes.
A moça saltou do ônibus e passou fuzilada de indignação pelo homem.
Foi seguindo pela rua sem olhar para ele.
Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.
Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater aflita:
- Abre! Abre aí!
A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos confusos, a sua aventura.
- Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!
De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no saguão. Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo
- Olha ele ali! É ele, venha ver! Ainda está ali, o sem-vergonha. Mas que ousadia!
Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça.
- Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.
- Marcelo? Que Marcelo? – a moça se voltou surpreendida.
- Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.
A moça só faltou morrer de vergonha:
- É mesmo, é o Marcelo! Como é que não reconheci! Você me desculpe, Marcelo, por favor.
No saguão, Marcelo torcia as mãos encabulado:
- A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia...
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Sobre o autor:
Fernando Tavares Sabino 

Advogado, jornalista e escritor brasileiro nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, uma das mais ecléticas personalidade brasileira da segunda metade do século XX, cyja obra literária caracterizou-se pela capacidade de explorar, com fino senso de humor, o lado pitoresco e poético de fatos cotidianos e personagens obscuros. Filho do representante comercial Domingos Sabino e de Odete Tavares Sabino, na infância e juventude, destacou-se como escoteiro, locutor de programa infantil aos 12 anos e autor do primeiro conto ainda no secundário. Como atleta, aos 16 anos venceu vários campeonatos de nado de costas em Minas, São Paulo e Rio de Janeiro e, aos 17 anos, começou a escrever artigos literários para o jornal mineiro O Diário, onde também eram publicados Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. Fez serviço militar na cavalaria do CPOR, estudou direito e aos 18 anos publicou seu primeiro livro de contos, Os grilos não cantam mais (1941). Passou para o funcionalismo público (1942) na secretaria de Finanças, além de dar aulas de português. Mudou-se para o Rio de Janeiro (1944), então capital federal, onde mantinha um emprego em um cartório e se firmou como colaborador de diversos jornais. Publicou A Marca (1944) pela José Olympioe passou a conviver com a nata intelectual do então distrito federal, incluindo Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Di Cavalcanti e Manuel Bandeira.

Formou-se em direito (1946) e mudou-se para Nova York, nos Estados Unidos, para trabalhar no consulado brasileiro (1946-1948), experiência que resultou em A cidade vazia (1950), retrato da vida americana. Neste período iniciou uma longa cooperação com a imprensa brasileira, escrevendo para o 'Diário de Notícias, o Diário Carioca, O Jornal, Jornal do Brasil e O Globo. Seu primeiro e mais importante sucesso literário foi o romance Encontro marcado (1956), lançado em vários países e levado diversas vezes ao teatro. Depois veio o roteiro do filme O homem nu (1960), com direção de Roberto Santos e com Paulo José, e outro livro de sucesso, A mulher do vizinho (1962). Foi adido cultural da embaixada do Brasil em Londres (1964-1966) e fundou (1967), a Editora Sabiá, em sociedade com Rubem Braga, na qual publicou obras de autores como Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Pablo Neruda e Manuel Puig. No início da década seguinte (1971) passa a exercer seus dotes de diretor de cinema, realizando um curta sobre Rubem Braga e, no ano seguinte, em colaboração com Davi Neves, em Los Angeles, uma série de oito pequenos documentários sobre Hollywood para a TV Globo. Fundou a Bem-Te-Vi Filmes e produziu curtas-metragens sobre feiras internacionais em vários países. Participou da produção e direção de documentários sobre escritores brasileiros contemporâneos e voltou ao romance (1979) com O grande mentecapto, que lhe vale o prêmio Jabuti.

Depois vieram, entre outros, O menino no espelho (1982), O gato sou eu (1983), Macacos Me Mordam (1984), Faca de dois gumes (1985), Martini Seco (1987), De Cabeça para Baixo (1989), Zélia, uma paixão, a biografia autorizada da então toda poderosa do governo Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello (1991), O Bom Ladrão (1992), Aqui estamos todos nus (1993), Com a graça de Deus (1995), Um Corpo de Mulher (1997), Amor de Capitu (1998), A chave do enigma (1999), Cara ou Coroa? (2000), Os Caçadores de Mentira (2003) e Os Movimentos Simulados (2004). Depois de dois anos lutando contra um câncer no esôfago, foi internado em setembro na Casa de Saúde Pinheiro Machado, em Laranjeiras, e morreu no Rio de Janeiro e foi enterrado no cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio, no dia em que completaria 81anos de idade.


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                                             Por Adele

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