BOB -Olavo Bilac
Tinham
metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando,
às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto
medo, que começava a bater os dentes... Pobre Luizinha! que medo, que medo ela
tinha do diabo!
Um dia,
não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe
a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma
bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar... Padre
João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento.
Depois,
olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:
— Minha
filha! Basta ver que está assim preocupada com essa ideia, para reconhecer que
realmente o Diabo anda a persegui-la... Para o tinhoso amaldiçoado
assim é
que começa...
— Ai,
senhor padre! Que há-de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me
aparecesse, eu nem forças teria para gritar...
— Bem.
filha, bem... Vejamos! costuma deixar a porta do quarto aberta?
— Deus me
livre, santo padre!
— Pois,
tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta se o
Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos
saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite, deite-se, e reze,
deixe a porta aberta... Tenha coragem ... Às vezes, é o Anjo da
Guarda que inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas. Deixe a
porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...
— Ai!
senhor padre! eu terei coragem?...
— É
preciso que a tenha... é preciso que a tenha... vá... e, sobretudo, não diga
nada a ninguém... não diga nada a ninguém...
E,
deitando a benção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e
acariciando o belo queixo escanhoado...
E, no dia
seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando
viu chegar a bela Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E,
muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara....
— Ah! meu
padre! apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo...
com um medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto...
Meu Deus!
não sei como não morri... Quem quer que fosse, veio andando devagarinho,
devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama... não sei... perdi os
sentidos... e...
— Vamos,
filha, vamos...
— ...
depois quando acordei... não sei, senhor padre, não sei... era uma cousa...
— Vamos,
filha... era o Diabo?
— Ai,
senhor padre... pelo calor , parecia mesmo que eram as chamas do inferno...
mas...
— Mas o
que, filha? vamos!...
— Ai,
senhor padre... mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina...
Olavo Bilac (com o pseudônimo de Bob): "Contos para Velhos", obra que reúne 16 peças em prosa e verso, de caráter jocoso e picante, quase todas com acentuado sabor popular.
Fonte: http://www.veredaliteraria.com/2013/03/olavo-bilac-o-diabo.html
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Sobre o autor:
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Sobre o autor:
Olavo Brás Martins dos
Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de
dezembro de 1865 — 28 de
dezembro de1918) foi um jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Criou a cadeira 15 da instituição, cujo patrono é Gonçalves
Dias.
Conhecido
por sua atenção à literatura infantil e, principalmente, pela participação cívica, Bilac era um ativo republicano e nacionalista, também defensor do serviço militar obrigatório1 em um período em que o exército
usufruía de amplas faculdades políticas em virtude do golpe militar de 1889. O
poeta foi o responsável pela criação da letra do Hino à
Bandeira, inicialmente criado para
circulação na capital federal da época (o Rio de Janeiro), e mais tarde sendo
adotado em todo o Brasil. Também ficou famoso pelas fortes convicções
políticas, sobressaindo-se a ferrenha oposição ao governo militar do marechal Floriano Peixoto. Em 1907 foi eleito "príncipe dos poetas
brasileiros", pela revista Fon-Fon. Bilac, autor de alguns dos mais populares poemas
brasileiros, é considerado o mais importante de nossos poetas parnasianos.
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Por Adele
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