O menino mais antigo dos Milênios
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Teve um menino famoso que viveu há dois mil anos ( aliás, foi por causa dele que esta história começou), seus cabelos - os seus cachos - eram encaracoladinhos (tão diferentes dos meus) e o faziam parecer com um manso cordeirinho, um cordeirinho de Deus (como o chamaram depois).
Dois mil anos se passaram e o que é que mudou? Ele usava túnica branca e eu uso bermudão; Ele brincava na praia querendo botar o mar num buraquinho na areia, eu prefiro jogar bola; ele amava pão e peixe, eu, sorvete e coca-cola. Ele usava sandálias e eu uso um reebok. Ele tinha mania de cumprimentar as pessoas levantando os dois dedinhos. E eu levanto o dedão.
Fora isso a gente tem muita coisa em comum: como eu sumia na praia, Ele o que é que fazia? Desaparecia no meio da multidão. Mamãe e papai aflitos (como os meus): 'Onde estará?' Eu, no meio dos banhistas, ensinando-os a nadar; Ele, lá, com os velhinhos, a ensinar Filosofia.
Ele ajudando o seu pai na sua carpintaria e eu ajudando o meu, apagando , sem querer o banco todo de dados do seu possante pecê. Ah! Se eu tivesse um chicote, ficaria também maluco (mais ainda do que Ele) e, na certa, ia pro templo expulsar os mercadores. Quer dizer: fazer um arraso lá na Bolsa de Valores.
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Como serão os meninos , como estarão as meninas, quando chegar o Milênio que vai trocar o número 2 pelo 3?
Será que a sala de aula vai ser igual à de hoje , com a mestra e sua mesa, suas provas, suas penas, com o menino mais testado do que mais compreendido? ( A escola mudou tão pouco nestes últimos mil anos...)
Será que todas as meninas - e os meninos do futuro-vão fazer bico e beicinho, como a gente faz agora, quando o carinho faltar? (Será que a alma da gente nessas coisas vai mudar?)
Será que os meninos vão querer que o papai olhe para eles e escute seus problemas com atenção de amigo? E será que quem for pai vai ter tempo de aprender nestes próximos mil anos?
Como será que serão os meninos e meninas do Milênio que virá depois que este mesmo Milênio passar?
Vão chorar se os magoarem?
Vão sorrir se se alegrarem?
Vão sofrer se desprezados?
Vão sentir tanta saudade como a gente sente agora de coisas que nem viveu?
E vão rir com os palhaços do circo, se circo houver?
Será que ainda vai ter circo? Pipoca, jujuba, bala? E programa de tevê? Será que ainda vai ter?
E nintendo, video game? Deles, que será feito?
Será que ainda vai ter livro?
Pra gente ler na cama, pra gente ler no banheiro, pra gente ficar sozinho com ele, ler e chorar?
Pra gente ler e sorrir, para gente ler?
Será que nas nossas férias o nosso parque temático vai ser na lua?
Será que os meninos vão poder brincar na rua como nós já não podemos?
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Mais mil anos passarão. Que menino vai estar lá, sabendo-se que o homem muda, sua mão, seu invento, sua máquina, o seu gesto, seu estômago, mas não muda o coração?
De uma coisa estou certo: quando papais e mamães chegarem ao Quarto Milênio serão- de novo e pra sempre - papais e mamães. Espero. E sejam de que Era forem e estejam comemorando outros anos, outros séculos, sei que eles vão querer - pois isto não muda nunca - que os seus meninos - e suas meninas, também - sejam muito parecidos (mas bem parecidos, mesmo!) com o menino mais antigo dos Milênios já vividos ( e aqui tão mencionado, como se viu - e se vê): para uns , Jesus Cristinho, para os íntimos, J.C.
Textos retirados do livro: "Outro como eu só daqui a mil anos", do grande escritor mineiro "Ziraldo".
Muito lindo!!!
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