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Trabalhadores do Brasil

                                                                                      Wander Piroli
O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar, entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco, borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e caricaturas também de grandes personalidades.
Nem sequer a chegada do bonde fez o homem levantar a cabeça. Trabalhava variando de lápis calmamente, como se não tivesse nenhuma pressa ou mesmo não desejasse terminar o serviço. Getúlio na foto continuava sorrindo para o homem com um de seus melhores sorrisos.

Uma mulher esturrada, de alpargata e vestido muito largo, aproximou-se e parou à sua frente. O homem levantou a cabeça:

-- Você, Maria.

Ela moveu o rosto com dificuldade e fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.

-- Aconteceu alguma coisa?

-- Não – murmurou a mulher.

O homem pôs a fotografia e o lápis na mesa e esperou que a mulher falasse. Olhavam-se como duas pessoas de intensa convivência.

-- Não houve mesmo nada? – tornou o homem.

-- Claro que não, Zé. Eu vim à toa.

-- E os meninos?

-- Mamãe está com eles.

-- Como é que você arranjou para chegar até aqui?

-- Uai, eu vim.

-- A pé? Você não devia ter vindo, Maria. Estou achando que houve alguma coisa.

-- Não teve nada, não. Mamãe chegou lá em casa e então eu aproveitei para dar um pulo até aqui.

-- Ah – o homem sorriu. E uma onda de carinho, quase imperceptível, assomou-lhe o rosto lento e sofrido.

-- Fez alguma coisa hoje, Zé?
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Um texto para você concluir nos comentários. Aguarde, na próxima semana publicação do original.
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Alguém assim finalizou:
- Fiz. Aqueles dois últimos ali...
 - Estão bonitos, Zé.
Ele sorriu levemente. Olhou a mulher.
Ela continuava parada, como se estivesse hipnotizada. De repente, parece que ele percebeu algo no olhar dela, uma vontade qualquer... havia um motivo, sem dúvida, para ela estar ali.O rosto, sofrido, mas um perfil suave. Pegou o papel, seus lápis e , com traços rápidos e firmes, desenhou o rosto dela...Foi ficando bonito, ele estava gostando do que fazia, saía do fundo do coração...e ela, bem ela, ficou assim, parada, mas com o coração explodindo de felicidade!
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O final escrito pelo autor:
-- Fiz um – respondeu levantando-se. – Senta aqui. Você deve estar cansada.

A mulher sentou no tamborete, desajeitada.
-- Você não devia ter vindo, Maria – disse o homem.
-- Eu sei, mas me deu vontade. Mamãe ficou lá com os meninos.
-- Mas ela não estava doente?
-- Você sabe como mamãe é.
-- E o Toninho?
-- Está lá.
-- O carnegão saiu?
A mulher fez sim com a cabeça e em seguida olhou para o abrigo, onde havia pequenas lojas de frutas, café, pastelaria.
-- Espera um pouquinho aí – disse o homem, e caminhou na direção de uma das lojas.
A mulher permaneceu sentada no tamborete, observou por um momento o vendedor de agulhas, que continuava gritando, depois deteve a vista na foto de Getúlio Vargas sorrindo para os trabalhadores do Brasil. O homem reapareceu com um saquinho manchado de gordura.
-- Esses pastéis.
-- Oh, Zé, para que você fez isso?
-- Vamos, come um.
-- Você não devia ter comprado.
-- Vamos.
A mulher retirou um pastelzinho do saco e começou a mastigá-lo com muito prazer.
-- Come o outro, Zé.
-- Já comi uns dois hoje. Esse outro também é seu.
-- Então eu vou levar ele pros meninos.
-- É pior, Maria.
O homem ficou de pé, ao lado da mulher, observando-a comer o segundo pastel. A mulher acabou de comer, limpou a boca na manga do vestido e fez menção de levantar-se:
-- Fica aqui, Zé. Pode aparecer alguém.
-- Não, eu passei a manhã toda assentado.
A mulher sentada e o homem em pé conservaram-se silenciosos durante um breve e ao mesmo tempo longo momento, ora olhando um para o outro, ora cada um olhando as pessoas agora espalhadas no abrigo ou não olhando coisa nenhuma. A mulher se ergueu:
-- Acho que eu vou andando. 
-- Já vai?
-- Mamãe não aguenta eles, você sabe.
-- Ah, é mesmo. Você não devia ter vindo.
O homem tirou uma nota de dentro do bolso do paletó e estendeu-a para a mulher.
-- Volta de bonde.
-- Não, Zé.
-- É muito longe, criatura.
-- Não.
-- Ora, minha nega.
-- A mulher pegou o dinheiro com a mão indecisa.
-- Vou ver se levo.
O homem assentiu com a cabeça, abriu a boca mas não disse nada. A mulher desviou o rosto e piscou os olhos várias vezes.
-- Não chega tarde não, viu, Zé.
-- Chego não.
-- Você vai fazer.
-- Hoje eu sei que vai melhorar.
-- Vai sim, Zé. Eu seu que vai. Eu sei.
A mulher se afastou rapidamente, sem voltar o rosto. O homem empinou-se um pouco para vê-la atravessar a rua. Depois sentou no tamborete e pegou um lápis e o retrato.
Durante muito tempo o homem permaneceu com a cabeça baixa, imóvel dentro de sua ilha, curvado sobre a foto que mostrava o presidente morto com aquele sorriso de seus melhores dias.
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Sobre Wander Piroli, o autor:
Wander Piroli (Belo Horizonte MG 1931 - 2006). Escritor e jornalista. Filho do operário Aurélio Pirolli e da dona-de-casa Elvira Pirolli. Seu conto de estréia, O Troco, é vencedor de um concurso literário promovido pela prefeitura de Belo Horizonte, em 1951. Cursa direito na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. No começo dos anos 1960, atua como advogado trabalhista, mas desiste da profissão e inicia a carreira jornalística no jornal lBinômio, em 1962., Publica seu primeiro livro, A Mãe e o Filho da Mãe, em 1966. Em sua obra literária, trabalha com os temas prosaicos e cotidianos que afetam a vida de seus personagens, em geral pessoas comuns, de classe social baixa ou marginalizados, tendo como cenário recorrente o bairro operário de Belo Horizonte, Lagoinha, onde Pirolli mora por muitos anos. Em relação às obras da literatura infanto-juvenil, é considerado um dos precursores da criação de fábulas que envolvem temas ecológicos. Morre no dia 3 de junho de 2006, em Belo Horizonte.
                                                      Fonte:http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_lit



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          Por Adele

4 comentários:

  1. - Fiz.Aqueles dois últimos ali...
    -Estão bonitos, Zé.
    Ele sorriu levemente. Olhou a mulher.
    Ela continuava parada, como se estivesse hipnotizada. De repente, parece que ele percebeu algo no olhar dela, uma vontade qualquer... havia um motivo, sem dúvida, para ela estar ali.O rosto, sofrido, mas um perfil suave. Pegou o papel, seus lápis e , com traços rápidos e firmes, desenhou o rosto dela...Foi ficando bonito, ele estava gostando do que fazia, saía do fundo do coração...e ela, bem ela, ficou assim, parada, mas com o coração explodindo de felicidade!

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    1. Bem que desconfiei que o final era seu, Amora. Bem romântico. Mas eu não quis arriscar.

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  2. Embora eu não tenha acertado completamente, digamos que entendi uma ternura entre os dois, o que ficou claro no restante da história pelo autor, não foi Adele?

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  3. O que vale aqui, não é "acertar" a conclusão do autor. O que me fascina neste marcador é a riqueza de idéias. Amora, continue participando. Nesta semana tem uma outra história para vocês concluirem.

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