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O homem que se evadiu



                                                           Dinah Silveira de Queiroz
Ele costumava olhar a cidade como quem passa de trem, e não pode possuir a paisagem. Que belas mulheres, que admiráveis lugares de diversões, e que restaurantes... e que bebidas! Feliz era o turista que chupava a cidade por um canudo. Mas ele — ele era o seu escravo! De casa para o trabalho, do trabalho para casa. Quando chegava o dia de folga — a mulher, que estava dia a dia ficando mais feia e ácida, se agarrava com ele. Ela era quem escolhia o cinema, ou a visita...
Numa segunda-feira, em que o homem sentia a vida como um nó na garganta, um companheiro de trabalho deu certa notícia:
- "Sabe? O chefe vai mandar-me a Buenos Aires por quinze dias!"
- "Mas você é um homem de sorte! Eu que sempre quis conhecer aquela terra!"

A viagem do colega a Buenos Aires deu ao nosso conhecido um complexo: o da liberdade! A inveja nele doía. E então, pediu ao felizardo:

- "Tive uma ideia. Vou tomar férias. E como não tenho dinheiro para viajar... fico por aqui mesmo. Mas quero que minha mulher pense que estou fora. Meu amigo — eu vou é me acabar! Vou-me divertir para o resto da minha vida. Você vai para Buenos Aires, mas a gente rica de lá vem passear aqui. Quer dizer que isto é bom. O de que se precisa é liberdade, para gozar o Rio."

Como o amigo concordasse com sua fantasia — o carioca que queria gozar o Rio como turista disse à mulher:

 -  "Meu bem, tenho uma novidade para contar. O chefe me despachou para Buenos Aires por duas semanas! Vou ter muitas saudades de você. Nós que não nos separamos nunca!"

E ele não quis que a mulher o acompanhasse ao Aeroporto:
     -  " Vou ficar muito emocionado."
     Nesse dia em que deveria embarcar, ele madrugou e foi levar o amigo, entregando-lhe              meia dúzia de telegramas que deveria passar...
     E caiu na orgia.
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No espaço destinado aos comentários, invente um final para essa história.
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A Amora.Doce escreveu um final surpreendente para a história de Dinah Silveira de Queiroz  que pode se chamar: A revanche:
Era uma semana pré-carnavalesca e foi fácil enturmar-se com turistas que chegavam ao Rio, doidos para conhecer quadras de samba, mulatas exibicionistas, bares da moda. A semana passou cheia de programas e de farras, um desfile de mulheres lindas quase ao seu alcance. Aos poucos, porém seu dinheiro foi rareando, não podia acompanhar aquela gente frenética, seu ritmo foi baixando...de repente, já estava quase entregue a uma rotina no hotel. E aquelas comidas de bares e self-service? Insuportáveis, bateu saudade em seu estômago da comidinha caseira...Dez dias das férias já tinham se passado...mas não podia voltar para casa, pois a mulher poderia desconfiar. Pensou em comprar alguma lembrança para ela. Naquela noite, sentiu-se até solitário, em pleno Rio de Janeiro, em pleno Carnaval! Mas, os ruídos e ritmos chamavam e ele foi beber mais uma no bar mais próximo...Então, ele viu: um casal passando abraçadinho, "Não! impossível! A minha mulher, com outro homem! Impossível". Firmou a vista, "é ela, sem dúvida"! Encolheu-se para não ser visto, um verdadeiro murro no peito e no estômago! Escondeu-se mais um pouco, ainda deu para ver um beijo apaixonado, até que o casal sumiu na esquina.
Por muito tempo, ele ficou ali, bebendo...quando saiu na madrugada, era um bêbado sem rumo, sem ter para onde ir e sem querer voltar...

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A conclusão do texto original:
À noite, depois de um dia de companhia alegre, de passeio de lancha, de teatro ao lado de uma loira, à noite, lá pelas onze horas, uns conhecidos que chegavam a uma boate deram com nosso personagem num pileque terrível. Daí a meia hora estava dormindo sobre a mesa: ninguém sabia que ele tomara um quarto em hotel... nem conhecia sua trama inventada. Os amigos, penalizados, o puseram num automóvel e sabendo do seu endereço, o deixaram em casa, onde a mulher o recebeu com espanto, que se transformou em cólera tremenda. Quando, de manhãzinha, o homem acordou em seu quarto — mediu toda a extensão da sua ... desgraça:

— " Meu bem, os amigos, lá no aeroporto... O avião atrasara quatro horas... me deram uma festinha de despedida... e eu perdi a hora... Mas não foi minha culpa. Você me perdoe. Isso aconteceu, porque eu não tenho hábito dessas coisas... Mas eu me arranjarei com o chefe... Até foi bom. Ele manda outro funcionário, e eu não me separo mais da minha mulherzinha."

A senhora estava furiosa. Foi preciso muito juramento e muita declaração de amor para que amansasse um pouquinho. À tarde, quando estava já querendo fazer as pazes tocou a campainha da porta. Era um telegrama. Ela o abriu:
— " Viagem ótima. Morrendo saudades querida mulherzinha."
Foi a tempestade. A senhora arrumou a bagagem. Ia para a casa do pai, pois não era uma abandonada. O marido se arrojou ao chão, inventou histórias, disse que se mataria. Ela ficou. Mas quando se recolhiam ao quarto de pazes feitas, chegou novo telegrama:
— " Buenos Aires sem ti não vale nada."
E os quinze dias do homem que quis quebrar sua rotina foram tremendos. Mesmo porque o amigo que levara os telegramas mudara de hotel, em Buenos Aires, e se desincumbiu religiosamente da sua missão. O último despacho que mandou foi assim:
— " Volto amanhã teus braços." E estava gentilmente assinado: " Maridinho".

   Do livro "Quadrante 2", Editora do Autor — Rio de Janeiro,1
968, pág. 161
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Sobre a autora



Dinah Silveira de Queiroz nasceu em 09/11/1910 na capital paulista. Publicou seu primeiro conto em 1937, e dois anos depois lançou seu primeiro livro, "Floradas na Serra", obtendo grande sucesso e sendo premiada pela Academia Paulista de Letras. Em 1954 recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Desempenhou as funções de adido cultural do Brasil junto à nossa Embaixada em Madrid. É a autora de "A Sereia Verde", "Margarida La Roque", "Aventuras do Homem Vegetal", "A Muralha", "O Oitavo Dia", "As Noites do Morro do Encanto", "Eles Herdarão a Terra" e "Os Invasores", dentre outros. Como cronista, assinou no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, a seção "Café da Manhã", e no Jornal do Commércio, da mesma cidade, a seção "Jornalzinho Pobre". Colaborou em programas na Rádio Ministério da Educação e na Rádio Nacional.
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Por Adele





2 comentários:

  1. Era uma semana pré-carnavalesca e foi fácil enturmar-se com turistas que chegavam ao Rio, doidos para conhecer quadras de samba, mulatas exibicionistas, bares da moda. A semana passou cheia de programas e de farras, um desfile de mulheres lindas quase ao seu alcance. Aos poucos, porém seu dinheiro foi rareando, não podia acompanhar aquela gente frenética, seu ritmo foi baixando...de repente, já estava quase entregue a uma rotina no hotel. E aquelas comidas de bares e self-service? Insuportáveis, bateu saudade em seu estômago da comidinha caseira...Dez dias das férias já tinham se passado...mas não podia voltar para casa, pois a mulher poderia desconfiar. Pensou em comprar alguma lembrança para ela. Naquela noite, sentiu-se até solitário, em pleno Rio de Janeiro, em pleno Carnaval! Mas, os ruídos e ritmos chamavam e ele foi beber mais uma no bar mais próximo...Então, ele viu: um casal passando abraçadinho, "Não! impossível! A minha mulher, com outro homem! Impossível". Firmou a vista, "é ela, sem dúvida"! Encolheu-se para não ser visto, um verdadeiro murro no peito e no estômago! Escondeu-se mais um pouco, ainda deu para ver um beijo apaixonado, até que o casal sumiu na esquina.
    Por muito tempo, ele ficou ali, bebendo...quando saiu na madrugada, era um bêbado sem rumo, sem ter para onde ir e sem querer voltar...

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    1. Amora, será que chumbo trocado não dói? Por aí começa uma outra história...

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