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Cigarro de Palha




Adélia Prado
Tenho um pouco de pudor de contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo.
É porque lá em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão, quanto mais… ah, no fim eu falo. Coisa do Teodoro, ele quem me contou, você sabe, marido depois de um certo tempo de casamento fala certas coisas com a mulher. O seu não fala? Pois é, e de novo tem um tempão que aconteceu. Lembra aquela história dos queijos? Igual. Demorou um par de anos pra me contar. O pessoal dele é assim, sem pressa. Tem uma história deles lá, que o pai dele, meu sogro, esperou 52 anos pra relatar. Diz ele que esperou os protagonistas morrerem. Tem condição? Mas o Teodoro — foi quando a gente mudou pra casa nova — teve de ir nas Goiabeiras tratar um marceneiro e passou, pra aproveitar, na casa da tia dele, a Carlina do Afonso, e encontrou lá o Gomide. Tou encompridando, acho que é só por medo do fim, mas agora já comecei, então. Então, diz o Teodoro, que o Gomide tirou do bolso do paletó uma trouxinha de palha de milho, cortadas elas todas iguaizinhas e amarradas com uma embirinha da mesma palha. Escolheu, escolheu, pegou uma bem lisa e bem branquinha, tirou o canivete do outro bolso, lambeu a palha pra lá, pra cá, e ficou um tempão lhe passando firme a lâmina, do meio pras pontas, de ponta a ponta, entremeando com lambidas. Depois, ainda segurando a palha entre os dedos, foi a hora de tirar e picar o fumo de rolo bem fininho. Ia picando e pondo na concha da mão. Acabou, guardou o rolo e ficou socavando o fumo na mão com a ponta do canivete. Depois pegou a palha, mais uma lambida e foi pondo nela o fumo, espalhando ele por igual na canaleta formada, pressionando bem pra ficar bem firme. Deu mais uma lambida na parte mais próxima do fumo e com os polegares e indicadores foi enrolando o cigarro devagarinho, uma enrolada e uma lambida, uma enrolada e uma lambida. Com o canivete dobrou uma das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso, acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou que o tempo todo da operação ele não despregava o olho daquilo. Disse que nem sabe o que tia Carlina arengava, só punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que foi uma coisa tão esquisita — esquisita, não —, tão encantada que ele ficou de pau duro. É isso. Falou também que ficou doido pra sair dali, comprar palha, fumo de rolo e repetir tudo igualzinho ao Gomide. Eu entendo. Quando conheci o Teodoro, ele fumava e eu achava muito emocionante. Tenho muita saudade de quando não existia essa amolação de cigarro dar câncer, nem de mulher ser magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa, não é mesmo? Será que faz mal mesmo? Colesterol, depois de tanto barulho, estão falando que já tem do bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só pra fazer tipo.
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Sobre a autora:
Adélia Luiza Prado de Freitas 
nasceu em 1936 em Divinópolis-MG, onde cresceu e se educou. Formou-se em Filosofia e trabalhou como professora. Em 1971 publicou o livro de poemas “A Lapinha de Jesus”, junto com Lázaro Barreto. Cinco anos depois foi que publicou sozinha seu primeiro livro,  Bagagem (1976), revelando uma artista de extrema originalidade e lirismo. Publicou depois “Coração Disparado” (1978), coletânea que trouxe a consagração merecida, trazendo-lhe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro de São Paulo.
Seus poemas, contos e romances registram o cotidiano das pequenas cidades interioranas, com fortes manifestações de religiosidade. “Lá estão as comadres, as santas missões, as formigas pretas, o angu, as tanajuras, as pessoas na sombra com faca e laranja”, afirma Afonso Romano no prefácio da coletânea “Coração Disparado”. Adélia faz poesia como quem está com o caderno ao lado do fogão, dizendo verdades que não foram ditas pelos “poetas” até então. Isso ela faz num tom mágico e fantástico, recriando a vida do interior mineiro por meio de uma linguagem inovadoramente feminina, isto é, ela não repete a mesma linguagem usada pelos poetas modernistas, nem seus poemas versam sobre imagens desgastadas como “noite-canto-solidão”.
O grande mérito de Adélia Prado é que ela explora temas como a família, elemento praticamente descartado pelos poetas brasileiros, que preferem falar nas amantes, quando muito em noivos e noivas. Afonso Romano afirma que parece que, de todos os poetas, só ela tem marido e filhos, cuida da casa, do quintal, das hortaliças. Ela valoriza a vida nas menores coisas, como os afazeres da casa, até as mais comuns, como a gravidez no poema “Esperando Sarinha”, que revelam os mais simples desejos e expectativas de uma gestante.
Além disso, ela incorpora em sua obra a presença da mulher concreta em si mesma, capaz de revelar uma eroticidade ausente na nossa “poesia feminina” convencional. Desta forma, revela uma mulher que vai além das ideologias, dos preconceitos, destemida a ponto de descartar a maneira masculina de enxergar o mundo e os clichês da ideologia literária e social.
Alguns de seus poemas dialogam com os de Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Drummond, mas só para marcá-los de uma maneira surpreendentemente inovadora. Seu primeiro livro começa com o poema “Com Licença Poética”, onde ela retoma pelo avesso o gauche de Drummond. Outra releitura bastante interessante é a que ela faz do poema “No meio do caminho”, também de Drummond: “Achei engraçado quando o poeta tropeçou na pedra / Eu tropeço na lei de jugo suave: ‘Amai-vos’.
A poesia de Adélia Prado revela uma constante alegria de estar viva, mesmo diante de tantas adversidades. Até mesmo os palavrões que ela usa em seus textos aparecem com tanta naturalidade, que quase passam despercebidos. E aqui cabe uma consideração importante: o modernismo “dessacralizou” apenas a gramática, mas a linguagem continuou sendo a mesmo “casta e burguesa” de sempre. A obra de Adélia mostra que, como disse Afonso Romano, “é natural que se escreva como se fala, porque se fala como se vive”.

                                              Fonte: http://www.infoescola.com/biografias/adelia-prado/

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               Por Adele

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