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O Homem que espalhou o deserto

                   
              
                                                                     Ignácio de Loyola Brandão
Quando menino, costumava apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal, cortando folhas das árvores.
Havia mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros e até mesmo jabuticabeiras. Um quintal enorme, que parecia uma chácara e onde o menino passava o dia cortando folhas. A mãe gostava, assim ele não ia para a rua, não andava em más companhias. E sempre que o menino apanhava o seu caminhão de madeira (naquele tempo, ainda não havia os caminhões de plástico, felizmente) e cruzava o portão, a mãe corria com a tesoura: tome filhinho, venha brincar com as suas folhas. Ele voltava e cortava. As árvores levavam vantagem, porque eram imensas e o menino pequeno.
O seu trabalho rendia pouco, apesar do dia-a-dia constante, de manhã à noite.
Mas o menino cresceu, ganhou tesouras maiores. Parecia determinado, à medida que o tempo passava, a acabar com as folhas todas. Dominado por uma estranha impulsão, ele não queria ir à escola, não queria ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das mais diversas qualidades e tipos. Dormia com elas no quarto. À noite, com uma pedra de amolar, afiava bem os cortes, preparando-as para as tarefas do dia seguinte.
Às vezes, deixava aberta a janela, para que o luar brilhasse nas tesouras polidas.A mãe, muito contente, apesar do filho detestar a escola e ir mal nas letras. Todavia, era um menino comportado, não saía de casa, não andava em más companhias, não se embriagava aos sábados como os outros meninos do quarteirão, não frequentava ruas suspeitas onde mulheres pintadas exageradamente se postavam às janelas, chamando os incautos. Seu único prazer eram as tesouras e o corte das folhas.
Só que, agora, ele era maior e as árvores começaram a perder. Ele demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira. Quinze dias para a mangueira menor e vinte e cinco para a maior. Quarenta dias para o abacateiro que era imenso, tinha mais de cinquenta anos. E seis meses depois, quando concluiu, já a jabuticabeira tinha novas folhas e ele precisou recomeçar.
Certa noite, regressando do quintal agora silencioso, porque o desbastamento das árvores tinha afugentado pássaros e destruído ninhos, ele concluiu que de nada adiantaria podar as folhas. Elas se recomporiam sempre. É uma capacidade da natureza, morrer e reviver. 
(BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras proibidas. Rio de Janeiro. Editora Codecri, 1979)

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Nos comentários escreva um final para a história e veja,  na próxima semana, como o autor a concluiu. 
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Um final criado pela Amora não poderia faltar:
Então, o único jeito seria cortar as árvores. Comprou um machado e foi para o quintal. Sua mãe alegrou-se: " Meu filho já é um homem, agora quer trabalhar." 
Naquele mesmo dia ele derrubou duas árvores, mas achou cansativo. No dia seguinte, viu na loja uma serra elétrica e ficou feliz. Comprou-a imediatamente. Chegando em casa, com enorme prazer cortou o tronco do velho abacateiro e reduziu-o em pequenos pedaços, que empilhou. 
Só aí, a mãe percebeu que algo estava errado. Perguntou ao filho: "Por que você faz isso?" 
"Porque, mãe, foi isso que eu fiz a vida toda e a senhora sempre gostou e sempre me apoiou. Agora não sei e não quero fazer outra coisa.Por favor, não perturbe..."
E continuou cortando as árvores...

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O final criado pelo autor:
Como o seu cérebro era diminuto, ele demorou meses para encontrar a solução: um machado. Numa terça-feira, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a derrubada do abacateiro. Levou dez dias, porque não estava habituado a manejar machados, as mãos calejaram, sangraram. Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado. 
Mas insatisfeito, porque agora passava os dias a olhar aquela desolação, ele saiu de machado em punho, para os arredores da cidade. Onde encontrava árvore, capões, matos atacava, limpava, deixava os montes de lenhas arrumadinhos para quem quisesse se servir. Os donos dos terrenos não se importavam, estavam em vias de vendê-los para fábricas ou imobiliárias e precisavam de tudo limpo mesmo.
E o homem do machado descobriu que podia ganhar a vida com o seu instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Não parava. Contratou uma secretária para organizar uma agenda. Depois, auxiliares. Montou uma companhia, construiu edifícios para guardar machados, abrigar seus operários devastadores. Importou tratores e máquinas especializadas do estrangeiro. Mandou assistentes fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa. Eles voltaram peritos de primeira linha. E trabalhavam, derrubavam. Foram do sul ao norte, não deixando nada em pé. Onde quer que houvesse uma folha verde, lá estava uma tesoura, um machado, um aparelho eletrônico para arrasar.
E enquanto ele ficava milionário, o país se transformava num deserto, terra calcinada. E então, o governo, para remediar, mandou buscar em Israel técnicos especializados em tornar férteis as terras do deserto. E os homens mandaram plantar árvores.E enquanto as árvores eram plantadas, o homem do machado ensinava ao filho a sua profissão.
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Sobre o autor:

Ignácio de Loyola Lopes Brandão (Araraquara SP 1936). Romancista, contista, cronista e jornalista. Filho do ferroviário Antônio de Maria Brandão e da dona de casa Maria do Rosário Lopes. Na infância e adolescência usufrui da pequena biblioteca montada pelo pai. Com a publicação de uma crítica de cinema no jornal A Folha Ferroviária, em 1952, inicia sua carreira de jornalista. Ainda em sua cidade natal, conhece o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa(1937), com quem escreve um romance, Os Imigrantes, jamais concluído. Em 1957, muda-se para São Paulo e trabalha no jornal Última Hora. Aficionado por cinema, em 1961, atua como figurante no longa-metragem O Pagador de Promessas, do cineasta Anselmo Duarte (1920), Palma de Ouro no Festival de Cannes, França, e , em 1963, viaja para Roma com a intenção de tornar-se roteirista na Cinecittà. De volta a São Paulo, estréia no mercado editorial, em 1965, com a coletânea de contos Depois do Sol e, três anos depois, lança seu primeiro romance, Bebel que a Cidade Comeu, logo adaptado para o cinema. Edita, em 1972, a revista Planeta, primeiro periódico esotérico do Brasil. No mesmo ano, com dificuldades para publicar o romance Zero no Brasil, lança-o na Itália, com o auxílio da professora Luciana Stegagno Picchio. O livro sai no Brasil somente em 1975 e é recolhido no ano seguinte pela censura, sendo liberado apenas em 1979. Entre 1979 e 1990, afasta-se do jornalismo para viver exclusivamente de seu trabalho como escritor. Retoma a carreira como diretor de redação da revista Vogue, na qual permanece até 2005. Em maio de 1996, em decorrência de um aneurisma cerebral, submete-se a uma cirurgia de 11 horas, experiência relatada no livro Veia Bailarina, publicado no seguinte. Em 2005, passa a escrever crônicas no jornal O Estado de S. Paulo.



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Por Adele

2 comentários:

  1. Então, o único jeito seria cortar as árvores. Comprou um machado e foi para o quintal. Sua mãe alegrou-se: " Meu filho já é um homem, agora quer trabalhar."
    Naquele mesmo dia ele derrubou duas árvores, mas achou cansativo. No dia seguinte, viu na loja uma serra elétrica e ficou feliz. Comprou-a imediatamente. Chegando em casa, com enorme prazer cortou o tronco do velho abacateiro e reduziu-o em pequenos pedaços, que empilhou.
    Só aí, a mãe percebeu que algo estava errado. Perguntou ao filho: "Por que você faz isso?"
    "Porque, mãe, foi isso que eu fiz a vida toda e a senhora sempre gostou e sempre me apoiou. Agora não sei e não quero fazer outra coisa.Por favor, não perturbe..."
    E continuou cortando as árvores...

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  2. Sou Maria Daniela, professora participei do projeto Baú de Leitura em Aracaju onde tive a horra de conhecer o livro: O Homem que espalhou o deserto e a partir dele criei uma parodia resumindo todo o livro em cima da melodia da música de Luiz Gonzaga .Ficou lindo😍.

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