Monteiro Lobato
Negrinha
era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de
cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera
na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos
escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que
a patroa não gostava de crianças.
Excelente
senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar
certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no
trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as
amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora
em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da
moral”, dizia o reverendo.
Ótima,
a dona Inácia.
Mas não
admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem
filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava
o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança,
gritava logo nervosa:
— Quem
é a peste que está chorando aí?
Quem
havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa
abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal,
torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale
a boca, diabo!
No
entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses
que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim
cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã
aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não
compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A
mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos.
Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria
no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si,
num desvão da porta.
—
Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha
imobilizava-se no canto, horas e horas.
—
Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava
os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o
relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho!
Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra
vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na
depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que
idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho?
Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado,
mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha
conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a
bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se
logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e
suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida —
nem esse de personalizar a peste...
O corpo
de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa
todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os
cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos
em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos
fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A
excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da
escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir
cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa
indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer
coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma
novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de
Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai!
Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha
de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão
fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de
orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a
duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta
da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela:
roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de
marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!
Era
pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo
maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com
aquela história do ovo quente.
Não
sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um
pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a
revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
—
“Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona
Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu
curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual
perua choca, a rufar as saias.
— Traga
um ovo.
Veio o
ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na
prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes
envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula
alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha
cá!
Negrinha
aproximou-se.
— Abra
a boca!
Negrinha
abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher,
tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de
dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou
surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber
aquilo. Depois:
— Diga
nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a
virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário
que chegava.
— Ah,
monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã,
filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A
caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.
— Sim,
mas cansa...
— Quem
dá aos pobres empresta a Deus.
A boa
senhora suspirou resignadamente.
— Inda
é o que vale...
Certo
dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas,
pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de
plumas.
Do seu
canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do
céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha
olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra
os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
Mas
abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria
tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão,
Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos
anjos.
Mas a
dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e
nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não
se enxerga”?
Com
lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo
que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no
cantinho de sempre.
— Quem
é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem
há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me
corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem,
filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.
—
Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no
canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o
cuco.
Chegaram
as malas e logo:
— Meus
brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma
criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que
maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara
coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha
de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de
êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome
desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É
feita?... — perguntou, extasiada.
E
dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar
sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo,
e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito,
sem ânimo de pegá-la.
As
meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca
viu boneca?
—
Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se
as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como
é boba! — disseram. — E você como se chama?
—
Negrinha.
As
meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha
perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
—
Pegue!
Negrinha
olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo
Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega
o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de
olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e
os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao
colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona
Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era
tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a
força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E
pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao
percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça
a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis
lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou
tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas
palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão
todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha
ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais
a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se
alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
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Dê continuidade para a história de Monteiro Lobato. Crie um final no espaço destinados aos comentários.
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Vejam o final feliz criado por um de nossos seguidores:
Brincaram de boneca durante a tarde toda. Negrinha pediu para pegar o brinquedo e, no seu instinto materno, apertou-a em seus braços e a embalou. Como estava feliz!... Nos seus olhos voltara o brilho.
As mães das sobrinhas de Dona Inácia apareceram no final da tarde para buscar as filhas. E com elas foi embora também a bonequinha de louça.
À noite, estirada em sua esteira, lá no cantinho dos fundos, dormiu e sonhou que ela estava em seus braços. Inúmeras vezes a embalou e a apertou contra o peito. Noites seguidas teve os melhores sonhos de sua vida.
Mas os raios dos sol anunciavam a chegada de um novo dia, e com ele os maus-tratos de Dona Inácia, até que, numa tarde a menina da boneca de cachos dourados voltou de mãos dadas com sua mãe. Do alpendre Negrinha viu que Dona Inácia conversava com elas. Dali a pouco gritaram por ela. Era a megera:
-Negrinha! Negrinha! Venha cá, sua peste!
Será que iria brincar novamente com a menina da boneca? Saiu em disparada.
Na sala, as três esperavam por ela.
- Você vai para a casa de Comadre Catarina. Ela precisa de alguém que faça companhia para Carolina, sua filha.
Naquele dia acabou-se o tormento de Negrinha que, a partir de então, seria a companheira de Carolina, poderia brincar todos os dias com a boneca e ainda estaria livre de ser maltratada por Dona Inácia.
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Amora.Doce acabou com a agonia da garota. Este é o final da história dado por ela:
Quando voltaram para casa, Negrinha tinha um novo olhar, um novo porte. alguma coisa mudara dentro dela: algo sem nome, sem explicação, acho que pela primeira vez na vida, sentia-se humana e não apenas um traste sem valor. Os que estavam à sua volta ( inclusive a feroz, a carrasca) perceberam uma força especial naquela menina esbelta, como se tivesse uma aura a seu redor, enfim uma parede invisível que a protegeria para sempre.Tanto assim que, após olhá-la mais uma vez, a senhora dominadora de escravos, disse com voz mansa;
"Você nem sabe o seu nome, não é? Seu nome é Maria, lembre-se bem, foi seu nome de batizado. A partir de hoje, só atenda quando a chamarem de Maria, igual à Mãe de Jesus."
"Sim, sim, ela pensou, de hoje em diante, sou Maria, como a Mãe de Jesus..."
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Estava sentindo falta da Pandorah! Vejam como ela terminou a história:
Estava sentindo falta da Pandorah! Vejam como ela terminou a história:
A negrinha, diante dos anjos ,corria e sorria sem desgrudar da boneca. Era algo novo que sentia, um misto de poder e liberdade! Ela tinha em seus braços alguém que não a ofendia e nem a rejeitava , podia beijar, acarinhar e abraçar ! E no íntimo do ser, pensou: Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.
Depois da batida de dois cucos, a megera gorda da Dona Inácia a chamou aos berros. Foi um momento tão penoso quanto o açoite devolver a boneca para as meninas e correr para a cozinha da casa grande. E como de costume , sentiu a maldade no corpo indo se isolar no canto do fogão, engolindo o choro.
A Negrinha voltou para o seu mundo , mas um cadinho menos infeliz! Agora a solidão, o silencio e a lembrança desse dia se tornaram meios para a ela ser livre. Foi assim que ela pode suportar mais dois anos e numa das perversidade da gorda megera Dona Inácia, seu espírito se elevou!
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O triste final original, de Monteiro Lobato:
Varia a
pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na
mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos
divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos
filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha,
coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão!
Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como
fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de
ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era
coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim
foi — e essa consciência a matou.
Terminadas
as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao
ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente
transformada.
Dona
Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa
de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha,
não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de
susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele
dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso
inferno, envenenara-a.
Brincara
ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca
loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera
realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
Morreu
na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais,
entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas,
todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe
em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de
louça — abraçada, rodopiada.
Veio a
tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num
disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu
de boca aberta.
Mas,
imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se
apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo
se esvaiu em trevas.
Depois,
vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma
miséria, trinta quilos mal pesados...
E de
Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das
meninas ricas.
—
“Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra
de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como
era boa para um cocre!...”
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Sobre Monteiro Lobato, o autor do texto original:
Escritor brasileiro nascido em
Taubaté, SP, expressão máxima da literatura infantil brasileira. Filho do
fazendeiro José Bento Marcondes Lobato e de dona Olímpia Augusta Monteiro
Lobato, além de inventor e maior escritor da literatura infanto-juvenil brasileira,
tornar-se-ia um dos personagens mais interessantes da história recente desse
país. Seus primeiros estudos foram feitos em Taubaté, transferiu-se para São
Paulo matriculando-se na Faculdade de Direito pela qual se bacharelou (1904).
Depois residiu durante sete anos em Areias, SP, onde trabalhou como promotor
público. Abandonou o cargo e, por algum tempo, viveu na fazenda que herdara do
avô. Nessa época começou a publicar os primeiros contos em O Estado de S.
Paulo. Comprou a Revista do Brasil (1917), da qual já era colunista e nela
editou sua primeira coletânea de contos, Urupês (1917), criando o personagem
Jeca Tatu. O livro trouxe-lhe finalmente a fama, e algum tempo depois, o grande
autor passou a se dedicar a à literatura infantil (1921), onde escreveu obras
de grande imaginação, em que se valeu de recursos ficcionais como veículos
didáticos da matemática, da geografia, da história e das ciências, entre eles
Reinações de Narizinho (1921), O saci (1921), O marquês de Rabicó (1922), A
caçada da onça (1924), Viagem ao céu (1932), Novas reinações de Narizinho
(1933) e O Pica-Pau Amarelo (1939), que fizeram a alegria e paixão de muitas
gerações de crianças no Brasil. Essas histórias desenvolviam-se em um local
imaginário, o sítio do Pica-Pau Amarelo, habitado por uma encantadora galeria
de tipos como a irreverente Emília, o sentencioso visconde de Sabugosa, a
bondosa e disciplinadora Dona Benta, o marquês de Rabicó, envolvidos com muitos
personagens do folclore e lendas brasileiras. Na política foi caracterizado
como um intelectual engajado na causa do nacionalismo. Adido comercial nos
Estados Unidos (1926-1931), de volta ao Brasil, publicou América (1932) e deu
início a uma campanha nacionalista pela produção de aço e petróleo.
Simpatizante comunista, publicou também O escândalo do petróleo e do ferro
(1936) e tentou, sem êxito, organizar uma companhia petrolífera mediante
subscrições populares, o que lhe valeu uma condenação pelo Tribunal de
Segurança Nacional a seis meses de prisão. Após cumprida a metade da pena, foi
libertado e mudou-se para a Argentina, mas logo voltou a morar no Brasil.
Crítico de costumes, no qual não falta a nota do sarcasmo e da caricatura, em
sua obra há livros de ficção e outros sobre questões sociais, políticas e
econômicas, mas todos apresentam caráter nacionalista e interesse pelos
problemas do país e pela construção de seu futuro. Esta luta pelo petróleo
acabaria por deixá-lo pobre, doente e desgostoso. Morreu na madrugada de 5 de
julho (1948) na capital de São Paulo, de um acidente vascular, e sob forte
comoção nacional, seu corpo é velado na Biblioteca Municipal e o sepultamento
realizado no Cemitério da Consolação. Além de Urupês, destacam-se Cidades
mortas (1919), Negrinha (1920), A onda verde (1921) e O macaco que se fez homem
(1923).
Fonte:
http://www.brasilescola.com/biografia/jose-bento-monteiro-lobato.htm
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Por Adele
Brincaram de boneca durante a tarde toda. Negrinha pediu para pegar o brinquedo e, no seu instinto materno, apertou-a em seus braços e a embalou. Como estava feliz!... Nos seus olhos voltara o brilho.
ResponderExcluirAs mães das sobrinhas de Dona Inácia apareceram no final da tarde para buscar as filhas. E com elas foi embora também a bonequinha de louça.
À noite, estirada em sua esteira, lá no cantinho dos fundos, dormiu e sonhou que ela estava em seus braços. Inúmeras vezes a embalou e a apertou contra o peito. Noites seguidas teve os melhores sonhos de sua vida.
Mas os raios dos sol anunciavam a chegada de um novo dia, e com ele os maus tratos de Dona Inácia, até que, numa tarde a menina da boneca de cachos dourados voltou de mãos dadas com sua mãe. Do alpendre Negrinha viu que Dona Inácia conversava com elas. Dali a pouco gritaram por ela. Era a megera:
-Negrinha! Negrinha! Venha cá sua peste!
Será que iria brincar novamente com a menina da boneca? Saiu em disparada.
Na sala, as três esperavam por ela.
- Você vai para a casa de Comadre Catarina. Ela precisa de alguém que faça companhia para Carolina, sua filha.
Naquele dia acabou-se o tormento de Negrinha que, a partir de então, seria a companheira de Carolina, poderia brincar todos os dias com a boneca e ainda estaria livre de ser maltratada por Dona Inácia.
Muito bom! Negrinha salva pela nova amiga.
ExcluirQuando voltaram para casa, Negrinha tinha um novo olhar, um novo porte. alguma coisa mudara dentro dela: algo sem nome, sem explicação, acho que pela primeira vez na vida, sentia-se humana e não apenas um traste sem valor. Os que estavam à sua volta ( inclusive a feroz, a carrasca) perceberam uma força especial naquela menina esbelta, como se tivesse uma aura a seu redor, enfim uma parede invisível que a protegeria para sempre.Tanto assim que, após olhá-la mais uma vez, a senhora dominadora de escravos, disse com voz mansa;
ResponderExcluir"Você nem sabe o seu nome, não é? Seu nome é Maria, lembre-se bem, foi seu nome de batizado. A partir de hoje, só atenda quando a chamarem de Maria, igual à Mãe de Jesus."
"Sim, sim, ela pensou, de hoje em diante, sou Maria, como a Mãe de Jesus..."
Amora, um final em que você acaba com o sofrimento dessa menina.Valeu!
ExcluirPoxa,pensei que a tortura não tivesse fim...muito triste.Vou pôr meu fim nisso.
ResponderExcluirA negrinha, diante dos anjos ,corria e sorria sem desgrudar da boneca. Era algo novo que sentia, um misto de poder e liberdade! Ela tinha em seus braços alguém que não a ofendia e nem a rejeitava , podia beijar, acarinhar e abraçar ! E no íntimo do ser, pensou: Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.
Depois da batida de dois cucos, a megera gorda da Dona Inácia a chamou aos berros. Foi um momento tão penoso quanto o açoite devolver a boneca para as meninas e correr para a cozinha da casa grande. E como de costume , sentiu a maldade no corpo indo se isolar no canto do fogão, engolindo o choro.
A Negrinha voltou para o seu mundo , mas um cadinho menos infeliz! Agora a solidão, o silencio e a lembrança desse dia se tornaram meios para a ela ser livre. Foi assim que ela pode suportar mais dois anos e numa das perversidade da gorda megera Dona Inácia, seu espírito se elevou!
Estava esperando seu texto, Pandorah! Mas veio a tempo. Valeu!
ExcluirEnfim, acho que consegui captar o momento de "humanização" da Negrinha, assim como Monteiro Lobato o descreveu...quanto ao restante, acho que nem eu, nem Monteiro L. estivemos de acordo com o que acontece na realidade: um só momento de "sentir-se pessoa, deixar de ser coisa" poderia salvá-la, como eu fiz? Ou poderia matá-la como Monteiro L. fez? Fica a interrogação...
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